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  A Profissão 

“Eu não quero acreditar. Eu quero saber”

 

   Carl Sagan   

 

Natália Magalhães

 

Quando crianças, temos sede de conhecimento por tudo o que nos cerca. Deve
ser um período difícil para os nossos pais, que se vêm na posição de responder todos os temidos porquês, que vão desde “por que eu não posso brincar mais um pouco?” até “por que a grama é verde?”. Nós achamos que nossos pais têm a resposta para tudo e eles realmente têm – ou pelo menos, o jogo de cintura e a arte de improvisação fazem com que eles tenham.


E, ao olharem para o céu, mais um milhão de perguntas surgem e as respostas,
apesar de satisfatórias, quase nunca são certeiras. São, muitas vezes, baseadas no que se escuta por aí ou em crenças. Mas algumas dessas crianças, ao crescerem, querem mais do que crenças, elas querem saber. E não adianta mais elas perguntarem aos pais qual é a distância entre nós e as estrelas, quantas galáxias existem por aí, se existe a possibilidade de existir vida em outro planeta ou qual o tamanho do universo.

 

É aí que entra o papel do astrônomo – o que os pais não conseguiam responder,
eles conseguem.

  O que é a profissão do astrônomo? 

Basicamente, o astrônomo é um cientista cujo objetivo é observar, estudar e entender os fenômenos que ocorrem no universo, além de desvendar os seus mistérios e explicar os corpos celestes, como planetas, luas, asteroides, cometas, estrelas, galáxias, supernovas e buracos negros. É por meio da linguagem matemática e, principalmente, das leis da física que este profissional busca realizar as suas funções e, para tanto, é importante que ele tenha muita organização, disciplina e meticulosidade – afinal, não é uma tarefa nada fácil esclarecer o funcionamento do universo.

 

A astronomia, então, oferece um campo de trabalho bastante amplo, como aponta o astrofísico e pesquisador holandês associado ao Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, Roderik Overzier: “[nosso trabalho] inclui tudo, desde as menores partículas até as maiores estruturas de galáxias e como elas evoluíram desde o início do tempo até o presente, por isso os astrônomos são subdivididos em muitas áreas”.

 

Os profissionais escolhem uma área de pesquisa e, consequentemente, os métodos de estudo utilizados por cada um também variam. “Alguns astrônomos trabalham com observações de telescópios. Outros usam simulações no computador ou modelos teóricos para fazer previsões e comparações com os dados observacionais. Outros, ainda, trabalham no desenvolvimento de nova instrumentação e novos telescópios que permitirão melhores observações no futuro”, explica Overzier.

 

Porém, o nível de atuação de um astrônomo não para por aí, não. Além da pesquisa em universidades, observatórios e centros espaciais, o astrônomo pode trabalhar no meio acadêmico, dando aulas sobre o assunto para alunos do Ensino Médio ou do Ensino Superior. Dentro do ensino, Overzier conta que o astrônomo pode dar aulas de física e astrofísica para alunos de graduação ou pós-graduação, orientar os alunos nos seus projetos de pesquisa, fazer redação de artigos científicos, ler literatura técnica na sua área da pesquisa e propor financiamento para novas observações.

 

Não só isso, o astrônomo também realiza a divulgação dos seus resultados, seja em planetários, em museus ou mesmo em revistas científicas. Como observa o pesquisador do Observatório Nacional e professor substituto no Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luan Ghezzi, “as atividades [da divulgação científica] consistem em apresentar as descobertas e os mistérios astronômicos de forma acessível para o público leigo, através de palestras, entrevistas e exposições”.

 

Mas para poder exercer todas essas funções, Ghezzi lembra que é necessário que o profissional tenha concluído, pelo menos, um doutorado. Contudo, no Brasil, existem apenas três instituições de ensino superior credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) que oferecem o curso de Astronomia, são elas: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Sergipe (UFS).  É aconselhável, então, que a pessoa faça um curso de Física e depois procure por uma complementação pedagógica ou especialização.

 

Ghezzi ainda acrescenta: “é importante lembrar que, com a forte base computacional e estatística adquirida ao longo da sua formação, o astrônomo pode migrar para outras carreiras, trabalhando com bancos de dados em empresas de tecnologia, por exemplo”.

  Grandes nomes da astronomia 

 

Viu-se até aqui que as contribuições do profissional para a humanidade não são poucas ou pequenas. Se não fosse pelos astrônomos, nós veríamos o mundo de uma maneira completamente diferente. Sem o trabalho desses estudiosos e pesquisadores, não entenderíamos muitos dos eventos do nosso dia a dia e ainda acreditaríamos em qualquer explicação sem embasamento científico sobre o universo. E, assim como grandes atores e atrizes mudaram a história do cinema, grandes astrônomos contribuíram imensamente para formar tudo o que conhecemos hoje e merecem ser lembrados.

 

Grandes Astrônomos

Grandes Astrônomos

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  Desafios e reconhecimento  

Mas, como todas as outras, a profissão de astrônomo não é apenas flores. Principalmente no Brasil, diversos são os desafios e ainda há um longo caminho a ser percorrido pelos profissionais em busca do seu devido reconhecimento. Eles alegam que a pesquisa básica, em geral, é considerada como um hobby antes que uma profissão de verdade. E, pelo fato de não ter uma aplicação palpável no cotidiano, muitas pessoas consideram que a astronomia “não serve para nada” ou sequer sabem o que um pesquisador da área faz.

 

Aqui no país, ciência e tecnologia dependem do governo, pois são ações normalmente fomentadas pelo poder público, ao contrário de outros países desenvolvidos que têm grande parcela de contribuição da iniciativa privada. O pesquisador titular do Observatório Nacional, José Eduardo Telles, observa que há uma estagnação desse apoio no Brasil, com diminuição de incentivo financeiro aos projetos e bolsas de estudo.

 

Também, é necessário, como parte intrínseca a profissão, participar de reuniões científicas internacionais para divulgar seus trabalhos e se manter atualizado com os trabalhos especializados em outras áreas. “Para tanto, precisamos realizar viagens que dependem de fomento oferecido por agências governamentais como CNPq, FAPESP, FAPERJ ou outras FAPs estaduais, as quais são escassas nos dias de hoje”, afirma Telles.

 

Por esses motivos, o nível acadêmico universitário fica abaixo do nível dos países mais avançados na área de astronomia, além do fluxo de estudantes na pós-graduação também ser abaixo do ideal. Uma consequência disso é que a pesquisa científica brasileira acaba tendo pouca participação no cenário de competição internacional, apresentando um número reduzido de material de estudo em língua portuguesa.

 

Esse é um dos fatores apontados pelo aluno do curso de graduação em Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Astrolab, um grupo formado por alunos e professores da faculdade interessados por astronomia e divulgação científica, Giancarlo Massoni. “Eu percebi que tem pouco conteúdo em português. Não é que não exista o conhecimento em português, mas ele é muito mais difícil de achar; você tem que vasculhar na internet e o acesso é um pouco mais complicado. Muita coisa você digita e o primeiro resultado que tem no Google é em inglês”.

 

Fotos: Natália Bonatti

 

Grupo do Astrolab se reúne na universidade. Primeira foto: Giancarlo Massoni (Física), Heitor Queiroz Teixeira de Souza (Mecatrônica no Cotuca), Natália Shida Parr (cursão integrado) e Marcela Medicina Ferreira (Estatística). Na segunda foto, Juliana Rodriguez (Física), Leonardo Werneck (Física), professor Rafael de Freitas Leão e Artur Cruvinel Montibeller (Matemática)

 

Algo cuja proporção tem crescido cada vez mais é a produção de vídeos feitos especialmente para o YouTube, tentando explicar a astronomia de maneira didática e de fácil entendimento, mas é preciso ter cuidado. O professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp e também membro do Astrolab, Rafael de Freitas Leão, alerta que existem canais nessa plataforma digital que não são feitos por estudiosos da área e que o público leigo precisa aprender a como buscar pela informação correta.

 

Esse é um dos motivos pelos quais o grupo Astrolab foi criado, num primeiro momento. Algumas atividades relacionadas ao tema já eram realizadas na universidade, mas sem uma equipe própria para isso. A partir da vontade de difundir o conhecimento sobre astronomia de modo eficiente ao mesmo tempo que de fácil entendimento, alunos e professores da Unicamp se uniram e deram início ao grupo. Em parceria com o Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, um centro de disseminação da cultura científica, o Astrolab já promoveu diversos eventos, dentre eles palestras e observações, abertas para o público em geral e de forma a gerar curiosidade e interesse das pessoas na astronomia.

 

Fotos: Natália Magalhães

Imagens mostram a área externa do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp e os instrumentos utilizados na observação e pesquisa astronômica

 

Por isso, Overzier ressalta que o investimento na produção científica precisa ser estável e incluir todos os elementos necessários para um crescimento saudável, dentre eles: “investimentos em educação nos níveis mais básicos; financiamento rigoroso para universidades, programas de pós-graduação e projetos internacionais; acesso a bolsas de pesquisa; leis e regras que não prejudiquem os cientistas brasileiros em relação com outros países; institutos bem organizados para atrair alunos e pesquisadores”.

 

  Avanços e expectativas  

Como parte da ciência, as pesquisas e as descobertas no campo da astronomia estarão sempre acontecendo, bem como os profissionais têm grandes expectativas de avanços para o futuro.

 

 “Isto é muito especulativo e minhas respostas estão enviesadas em direção a minha área de pesquisa, mas, em minha opinião, grandes avanços virão ao respeito de como se formou o Sistema Solar e de como ele evoluiu até hoje. E, finalmente, descobrir sistemas planetários que se pareçam com o Sistema Solar "

Alvaro Alvarez Candal

 

 “Embora a nossa comunidade científica inclua astrônomos de classe mundial que competem ao mais alto nível, se olharmos ao potencial total de um país tão grande e tão rico quanto o Brasil, a astronomia ainda está em uma fase de desenvolvimento muito precoce. A este respeito, há muito trabalho a fazer "

Roderik Overzier

 

“É fundamental que a sociedade se conscientize do valor da ciência em geral, para sensibilizar os governantes quanto a necessidade de mantermos um alto grau de valorização em investimentos e fomento da ciência. Só assim a astronomia brasileira manterá o grau de reconhecimento internacional que adquiriu nos últimos vinte anos"

– José Eduardo Telles

 

“Uma revisão do sistema de bolsas de estudos, com a inclusão de direitos trabalhistas e reajustes anuais, por exemplo, daria melhores condições de trabalho, levando ao aumento da produtividade e qualidade na pesquisa. Neste sentido, a profissionalização da carreira de cientista poderia beneficiar a Astronomia. Além disso, a implantação de políticas de igualdade de gênero é fundamental para criar um ambiente que permita a maior participação das mulheres na Astronomia "

– Luan Ghezzi

 

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